Quem tem um bom relacionamento com títulos clássicos da literatura asiática já deve ter percebido que não importa o contexto cultural ou o pais de origem, existe sempre um tema que permeia essas obras: conflitos entre os valores familiares e as normas impostas pela sociedade. A História de Hong Gildong, de Heo Gyun (1569-1618), autor, filósofo confucionista, poeta e político da dinastia Joseon, a última dinastia monárquica coreana, e Genji Monogatari, de Murasaki Shikibu, são duas obras clássicas da literatura asiática que nos permite explorar o tema.
Em A História de Hong Gildong (clássico coreano), acompanhamos Gildong, um jovem superdotado que perdeu o direito de ser o próximo imperador por ser filho de uma concubina, tornando-se apenas um fardo para a família e a sociedade. Em Genji Monogatari (considerado o primeiro romance da literatura japonesa), a trama segue a vida de Hikaru Genji, um príncipe talentoso que é afastado da linha de sucessão imperial e passa a viver como um nobre comum. Ambos os protagonistas sofrem com a rejeição da sociedade, tornando a ascensão ao trono ilegítima. Gildong é marginalizado por ser filho ilegítimo de um nobre, enquanto Genji, apesar de sua beleza e talento, é considerado um “príncipe exilado”.
Muitas vezes, a sociedade espera que os indivíduos sigam certos padrões, como escolher carreiras específicas, casar em determinadas idades ou manter tradições familiares. As famílias, por sua vez, podem sentir a necessidade de preservar sua honra e reputação, levando a conflitos entre a tradição e a modernidade. Nesse sentido, poucos autores retrataram o embate entre os costumes tradicionais e as relações interpessoais no Japão moderno tão bem quanto Jun’ichiro Tanizaki e Yukio Mishima.
Tanizaki, em As irmãs Makioka, traça um sutil e complexo perfil da sociedade japonesa durante os anos 1930. As construções, os costumes, a forma de falar: o único jeito de preservar estas coisas seria registrando-as no romance. A trama gira em torno da família Makioka, tradicional em Osaka, e a saga para encontrar um marido para Yukiko, a terceira das quatro irmãs. Entre a vida doméstica da família, os eventos que frequentam, as aventuras das irmãs e as tratativas com famílias locais para casar Yukiko, Tanizaki recria todo o tecido social japonês, em um momento crítico em que as tradições eram ameaçadas por uma ocidentalização e “modernização” cada vez mais intensa.

Se Tanizaki usava da beleza e da sensibilidade, para falar das contradições de seu tempo, Yukio Mishima não polia suas palavras para expressar em seus romances diversas críticas sociais e políticas. Neve de primavera, o primeiro volume da tetralogia Mar da fertilidade, é um livro envolvente no qual o protagonista se vê dividido entre a tradição e o progresso. Kiyoaki, filho único do emergente marquês Matsugae, é enviado ainda jovem para morar com o conde Ayakura, membro da nobreza em declínio, e sua filha Satoko. Ao longo dos anos, Kiyoaki presencia a tensão de um Japão tradicional e moderno, o surgimento de uma nova burguesia avessa aos tradicionais costumes e valores nipônicos.
A literatura asiática é rica em histórias que refletem o conflito entre tradição e modernidade, capturando a essência de uma cultura em transformação. Conheça essas e outras obras de literatura asiática publicadas pela Estação Liberdade.