“O mundo dos romances de Tanizaki é de fato abstrato. Há, contudo, uma exceção, As irmãs Makioka, e este excepcional trabalho é o ponto alto deste autor, um dos poucos grandes livros escritos durante a guerra e um marco na história da literatura japonesa.”
Shuichi Kato, professor de história intelectual japonesa na Universidade de Sophia, em Tóquio
Jun’ichiro Tanizaki nasceu em 1886, bem no meio de um período de fortes mudanças na sociedade japonesa: a Restauração Meiji. Começou a escrever cedo, de início sofreu influências de Baudelaire e Edgar Allan Poe. Participou da escola Tanbiha, que valorizava a “arte e beleza acima de tudo”, indo contra o objetivismo da época.
Após a destruição de sua casa durante o forte terremoto que atingiu a capital japonesa em 1923, o autor deixa sua segunda esposa e filha e muda-se para Ashiya, na região de Kyoto e Osaka, cenário principal de seu romance As irmãs Makioka. Volta-se à preservação da língua e da cultura tradicionais do Japão, interessando-se sobretudo pela literatura medieval de Murasaki Shikibu (século XI), cujo monumental Genji Monogatari foi traduzido para o japonês moderno pelo próprio Tanizaki.
Faleceu em 1965, aos 79 anos, um ano após ter sido o primeiro autor japonês eleito membro honorário da American Academy and Institute of Arts and Letters. Hoje, Tanizaki ainda permanece como um dos grandes autores japoneses — e do mundo — do século XX. A lista dos candidatos ao Nobel de Literatura ao longo da década de 1960 atesta que a Academia sueca concorda. Nos anos que precederam sua morte, em 1965, ele figurou várias vezes entre os finalistas.
É possível imaginar os ilustres membros da Academia sueca em dúvida entre a fina ironia das narrativas de costumes de Tanizaki, que nunca teve medo de espiar pelo buraco da fechadura das relações humanas, e a prosa sensorial e sinestésica do estilista Yasunari Kawabata. Ao fim, foi Kawabata o primeiro autor japonês a levar para casa o prêmio de um milhão de coroas suecas.
No entanto, a influência de Tanizaki, mestre das narrativas breves e dos romances, segue viva. Quando se busca falar sobre uma obra-prima em sua bibliografia, As irmãs Makioka, romance de quase 800 páginas, é geralmente o livro colocado no posto. A obra foi originalmente serializada entre 1943 e 1948, e a narrativa se passa entre 1936 e 1941, fazendo referência a diversos eventos da época, como a 2ª Guerra Sino-Japonesa, e tendo a Guerra Mundial como uma presença que paira.
Quando a publicação do livro começou, aliás, no auge das tensões da Guerra, os censores do governo japonês ordenaram sua suspensão, já que tratava de “frouxas, afeminadas e repugnantemente individualistas vidas femininas” – a arte, definitivamente, não era considerada útil ao esforço de guerra japonês.
Além de ecoar atualidades do período, a obra também tem inspiração na vida pessoal do autor: as quatro irmãs Makioka são inspiradas em sua esposa Matsuko e suas três irmãs. Alguns episódios cotidianos do casal também aparecem, na forma de pequenos detalhes e acontecimentos, de grande valor para gerar a vida tão pulsante que sai das páginas da obra.
O grande crítico literário japonês Shuichi Kato define o livro como o Em busca do tempo perdido (clássico de Marcel Proust) de Tanizaki. Ele explica:
“Durante a Guerra, Tanizaki devia ter a amarga consciência de que a vida e a sociedade às quais ele estava tão conectado seriam em breve totalmente perdidas.”
As construções, os costumes, a forma de falar: o único jeito de preservar estas coisas seria registrando-as no romance.
É esse esforço monumental de recriar a vida cotidiana em suas sutilezas que consegue fazer de As irmãs Makioka muito mais do que uma crônica detalhada da vida de uma família. A estrutura cuidadosamente elaborada por Tanizaki se desenvolve em ciclos narrativos que se repetem e se degradam e, em conjunto, dizem respeito ao inevitável declínio social rumo aos horrores da Guerra.
A trama do romance gira em torno da família Makioka, tradicional em Osaka, e a saga para encontrar um marido para Yukiko, a terceira das quatro irmãs. Entre a vida doméstica da família, os eventos que frequentam, as aventuras das irmãs e as tratativas com famílias locais para casar Yukiko, Tanizaki recria todo o tecido social japonês, em um momento crítico em que as tradições eram ameaçadas por uma ocidentalização e “modernização” cada vez mais intensa.
No esforço de “resgate do tempo” do autor está também uma crítica política: o tempo que recuperado é justamente o tempo anterior ao militarismo e às obsessões nacionalistas no Japão — coisa que os censores rapidamente perceberam e não puderam tolerar. Sobre estes entreveros, que acabaram afetando até o conteúdo do livro, Tanizaki diz que era esse “o inescapável destino de um romance nascido da guerra e da paz”.
Se Tanizaki é o Proust asiático, o Tolstói japonês ou o Henry James de quimono, não sabemos ao certo. O que sabemos é que sua originalidade, sua ambição e seu profundo amor por criar e recriar histórias podem ser apreciados de maneira incomparável em As irmãs Makioka, que chega agora em sua 6ª edição.